sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Predominância da Common Law no Mundo



Não resta dúvida de que RENÉ DAVID foi o mais abalizado comparatista. Todavia, suas obras estão desatualizadas.

Um grande estudioso do Direito Comparado é ROLAND SÉROUSSI, que, dentre outras obras, escreveu um livro muito atual sobre a CommonLaw intitulado Introduction aux droits anglais et américain, publicado em 1999, posteriormente publicado no Brasil, inicialmente em 2001, sob o nome Introdução ao Direito Inglês e Norte-americano, pela Landy Editora. (Neste estudo estarei me referindo à impressão de 2006).

O livro todo interessou-me bastante. Todavia, o que me causou a mais profunda impressão foi a afirmação do autor no final do livro, exatamente na p. 162:

Pelo que foi dito, não se descarta a possibilidade de que um dia, não muito longínquo, a grande família de common law venha a ser a única - ou quase - a ocupar a imensa esfera da Regra do Direito!

Pessoalmente, acho que o doutrinador francês está coberto de razão. Nos países europeus que adotam a civil law (cujo Direito tem como fonte mais importante a lei) talvez não haja motivos para mudarem de sistema, uma vez que os legisladores lá, em geral, mostram-se preparados para o seu mister. Afinal, o nível cultural dos europeus é muito melhor do que o nosso e eles cobram honestidade dos seus homens públicos.

Todavia, em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (como é o nosso caso), em que o Legislativo apresenta sérias dificuldades, o sistema ideal parece-me ser o da common law, pois delegar-se-ia ao Judiciário a missão de elaboração do Direito e sua evolução gradativa. No Brasil tem-se depositado muito mais confiança no Judiciário do que no Legislativo e Executivo.

A common law americana desvinculou-se da britânica a partir de 1776, justamente quando as 13 colônias proclamaram sua independência. A partir daí surgiu praticamente um novo sistema de Direito, muito mais ágil, funcional e sem amarras exageradas com o passado, tendo praticamente como únicos referenciais a Constituição Americana e suas Emendas. O que surgiu depois foram meros desdobramentos dessa idéia.

O senso prático dos americanos tem feito com que não se perca muito tempo com análises bizantinas e procure-se um Direito funcional. Diz SÉROUSSI: ... o direito norte-americano é ainda mais pragmático do que o direito inglês e não se embaraça com as coerências doutrinárias. Parece até ultrapassar ou mesmo englobar a common law britânica. (p. 84)

Quanto ao livro em apreço, fiz sua leitura comparando as realidades inglesa e americana com a nossa.

Os americanos editam muito mais leis do que os ingleses, mas sempre muito menos do que nós.

SÉROUSSI registra, por exemplo:

A common law legislou em algumas áreas precisas na forma de leis escritas, mas sem cair no excesso legislativo romano-germânico. (p. 12)

Quanto à independência do Judiciário, registra:

Família de common law: independência marcada da justiça.Família romano-germâmica: independência da justiça menos acentuada. (p. 14)

Quanto aos conceitos jurídicos abstratos:

Família de common law: poucos conceitos abstratos (os juízes podem temperar o caráter abstrato das leis por regras jurisprudenciais, como a reasonableness ou a proporcionalidade).Família romano-germâmica: muitos conceitos abstratos. (p. 15)

Quanto à efetividade das decisões judiciais:

Convém salientar a extraordinária e temível eficácia das decisões da justiça inglesa que não podem ser ridicularizadas, não havendo nenhuma exceção a esse princípio. Os tribunais recorrem para a execução das suas decisões a verdadeiras ordens que, se não respeitadas, são passíveis de sanções muito severas (contempt os Court), podendo chegar até a prisão. (p. 24)

Os Restatments of the Law são o grande repositório das informações jurisprudenciais:

Uma verdadeira comunidade de precedentes tirados dos princípios de common law está muito presente, como atestam desde 1993 os Restatments of the Law (novas exposições do direito) que servem para expor as regras de direito adotadas pela maioria dos juízes dos Estados e, em anexo, as posições minoritárias. (p. 90)

O American Law Institute reúne os melhores elementos da classe jurídica:

... American Law Institute, organismo privado composto de juízes, de profissionais e de professores de direito eméritos. (p. 90)

Quanto ao prestígio muito superior da Justiça Federal em relação às Justiças dos Estados, a semelhança é muito grande com a realidade brasileira:

A organização judiciária é dual e um pouco desequilibrada: repousa em primeiro lugar nas jurisdições inferiores pertencentes aos Estados e, em segundo lugar, numa organização judiciária federal, dominada pela toda poderosa Suprema Corte dos Estados Unidos. (p. 94).

Todos os juízes federais são vitalícios (p. 96), mas na maioria dos Estados os juízes estaduais não o são, sendo escolhidos para mandatos de 2, 4 ou 15 anos. (vide p. 95)

Dois terços dos americanos não entendem existir contra-senso entre o Bill ofRights (Emendas I a X e XV) e a pena de morte, que pode atingir inclusive menores e débeis mentais... (vide pp. 101 e 102)

Quanto à liberdade para a prática do aborto, SÉROUSSI afirma que a regra aplicável é tão complicada que a ambigüidade é total. (p. 106)

Para quem pretende exercer uma legal profession, o curso dura 7 anos, sendo 4 anos numa Universidade ou Colégio Universitário e mais 3 numa Faculdade ou Escola de Direito aprovada pela American Bar Association. (p. 108)

Os estudantes de Direito aprendem a resolver casos que lhes são apresentados, preparando-se, assim, para a vida prática. Esse método se chama clinical method. (vide p. 109)

Há uma certa dificuldade em compatibilizar-se o respeito aos precedentes (stare decisis) e a necessidade de fazer-se evoluir a jurisprudência (vide p. 109/110)

A Suprema Corte, apesar de não haver nenhuma previsão legal autorizativa, pode declarar a inconstitucionalidade das leis (vide p. 112).

Algumas Comissões Administrativas detêm grandes prerrogativas, como a Cia. ... (p. 113)

SÉROUSSI afirma que o Direito da Concorrência é mais severo do que qualquer outra ramificação do direito norte-americano... (p. 135), fazendo referência ao processo movido em 1998 contra a Microsoft pela administração federal norte-americana e mais 20 Estados federados sob acusação de violação da lei antitrust. (p. 137)

As transações penais surgiram depois da década de 1970, atualmente englobando cerca de 85% das condenações. (vide p. 150)

O Grande Júri - que apresenta dificuldades concretas para se reunirem até 23 pessoas, com a finalidade de averiguação preliminar de culpa antes da entrega do caso a um juízo criminal - está cada vez mais em desuso. (p. 151)

No Processo Penal, em quase todos os Estados, são admitidas todas as modalidades de provas, inclusive o soro da verdade e o detetor de mentiras. (vide p. 153)

Os julgamentos do Júri costumam ser transmitidos ao vivo pela televisão. (vide p. 155)

O número de processos, sobretudo na área da responsabilidade civil, tem aumentado muito nos últimos anos. Em 1998 houve 18 milhões de julgamentos. (vide p. 156) Há condenações versando sobre inquietações, dor, choque emocional, temores reais ou supostos etc. (vide p. 158)

O número de advogados é o maior do mundo. Há, nos EUA, 314 advogados para cada 10.000 habitantes. Na Grã-Bretanha, 108; na Alemanha, 86; na França, 52. (vide p. 158). (Fiz as contas quanto ao Brasil, e verifiquei que há 32 advogados para cada 10.000 brasileiros).

O advogado americano JAMES HENRY, na década de 1980, criou a ADR (Alternative Dispute Resolution) com as seguintes formas de resolução alternativa de litígios: mediação, mini-trial (mini-julgamento) e mock-trial (paródia de julgamento) (vide p. 158).

Em conclusão, o Direito brasileiro está cada vez mais próximo do modelo americano do que dos países europeus que nos influenciavam há tempos atrás: França, Alemanha, Itália e Portugal.

Na verdade, o modelo americano é muito melhor do que aqueles outros, pela sua simplicidade, praticidade e funcionalidade.

Só temos a ganhar com essa mudança gradativa mas irreversível.

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